Contra o vento


Onde porei meus olhos para que não veja a nascente que deságua meu tormento?

Em que parte te colocarei no pensamento para que eu descanse na outra parte onde não esteja?

Não sei como enganar quem desejo

Fico óbvia demais ao olhar-te contra o vento

Passam dias, meses, passam anos

E quanto mais longe fica, mais te vejo!

Desilusão


Vejo o tempo passar
nas horas, nos dias,
no meu rosto envelhecido.
Arrasto meus pés tortos
sem saber pra onde vão
muito menos se existo.
Meus caminhos são cinzentos,
escuros tormentos,
vazios em acontecimentos.
Não há luz nem gentileza,
sou uma ferida de tristeza.
Já não me sinto
e nem insisto em saber
se virei decepção.
E assim me desespero
em me ver aqui de pé,
e caída, por dentro.

Ó poderes irônicos dos céus!
Tenho a vida e dela o mais puro mel!
Mas não soube tirar proveito certo,
Arando vales e dias desertos.
Mas hei de vê-la um dia onde nela fui cega,
Deitando meu olhar em seu jardim de inverno,
E secarei meus olhos de suas chuvas eternas – ó vida bela!

Felicidade é uma borboleta

A felicidade não me pertence,
Pertence a outro,
Que não me pertence.
Borboleteia,
Pousa.
Desperto,
Olho mais perto:
Voa,
Voa...
Pousa em minha alma,
Faz cócegas,
Esqueço dentro.
Voa.
Pousa em outro ombro,
Fico atenta.
Mero engano.
Voa,
Como voa....

Ser depois


Perdoe-me,
mas o poeta não nasce poeta.
O poeta apenas nasce
e depois, se poetiza.
Ressuscita a palavra cantando,
batendo, insistindo presença
na dor, no amor;
em seguida cuspida, pesada,
cortada e lapidada.
Perdoe-me,
mas ser poeta é ver com olhos
ao nascer, e não antes de.
É desconhecer a palavra,
ser concebido por ela,
e desabrochar, depois dela.
É dançar a mente,
arrumá-la constantemente,
como vício permanente.
Perdoe-me,
mas ser poeta,
é não parir sem ter gerado,
é saber-se dom depois do som,
é não dizer sem ter sentido,
e não sentir sem ter vivido.
Perdoe-me,
mas ser poeta, é ser depois.