Uma rede na parede

Entrei pela porta dos fundos. Era uma casa modesta. Ao final do corredor havia uma sala. Uma sala com uma rede de pescador. Uma rede de pescador presa à parede no final do corredor. Na rede havia estrelas do mar, Iemanjá e cavalo marinho. Tudo junto com cheiro de maresia. Fiquei encantada com tamanha imaginação.

O casal, sempre risonho, me deixava ver a rede em tons de verde. Olhava para ela e imaginava que, depois de tão cansada de pegar peixe, se aposentara na parede. Acordei um dia e o casal havia ido embora. Vendera a casa. E a rede? Corri para a porta da frente. Olhei através da janela envidraçada e procurei a parede que ficava a rede engraçada. Nada. A rede saiu da parede e ficou presa na minha mente. A rede com seus enfeites foram embora, mas o cachorro ficara. Levaram tudo que era morto, mas o cachorro vivo, ficou perdido. Ainda escuto seu uivo tristonho e comprido. Uivava perto da minha janela e eu, ali com pena, apenas sentia sua melancolia. Rejeitava água e comida boa. Morreu de tristeza, me falaram. Foi quando soube que, de tristeza, também se morria. Um dia, meus pais me levaram para conhecer a nova casa do casal da rede. Felizes, mostraram outros bichos de estimação. Havia um papagaio, ou era uma arara, ou quem sabe um tucano. Não dei atenção. Queria falar-lhes do cachorro, mas com medo de ser repreendida, calei-me e fitei-os sem direção. Pobre cachorro. Como será que a tristeza mata? Olhei a rede na parede. Desejei que ela abraçasse os donos com seus pássaros e os levassem para o fundo do mar. Quem sabe, se na morte, não encontrariam o cachorro tristonho e entenderiam que a tristeza, quando ataca a alma, traz uivos incontroláveis, quebrando meu sono no meio da noite. Pobre cachorrinho. Nem seu nome eu sabia.

6 comentários:

  1. "Uma rede na parede", de Patrícia Amorim, é uma canção. Não entendo muito de música, mas - certa vez, alguém me disse que havia diferenças entre música, canção e melodia. Por isso, não estou bem certo, se acerto, quando digo, que o poema é uma canção. Não por tratar também de uma rede, mas ele me embalou, fez-me dançar (poderia valsar, pois não entendo também de dança)... Aliás, não entendo de nada. Sou apenas um leitor, que, diante de um texto como esse, tenho o "dom" de me emocionar e comover. De que mais precisaria o poema para se "transformar" em poesia? A mistura de música e dança, quando em mãos de poetas como Patrícia Amorim, não poderia redundar em algo melhor do que esse poema. Muito obrigado, e parabéns.

    Américo Leal · Paragominas (PA) · 19/9/2009 11:21

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  2. Uma rede de pescador é arte também como este belo texto na arte de confecção. Ambos possuem a arte de pescar a mente e o coração. Parabéns e Votado!

    JCO · São Paulo (SP) · 21/9/2009 17:28

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  3. Uma beleza de texto, Patrícia, parabéns!
    Chega ao coração da gente, sensibiliza.
    A escrita atende ao teu comando e te segue.

    Bjs e votos

    sr · Rio de Janeiro (RJ) · 22/9/2009 00:30

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  4. Muito lindo... toca muto o coração... quando quero aprender e apreender sobre o amor fico observando nas atitudes do meu fiel Billy... o "cara" me ensina pacas. Parabéns, Patricia! Belo texto. Votado

    Denise. · Rio de Janeiro (RJ) · 22/9/2009 10:41

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  5. A rede talvez fosse o retrato da alma de seus donos. Assim caminha a vida. Outros sentimentos, com os vivos, vão ficando para trás. Como é difícil explicar a alma e a mente humana.
    Gostei muito
    Abraços
    Abraços

    Noélio A. de Mello · Belém (PA) · 22/9/2009 12:43

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  6. Patrícia,

    Parabéns pelo Texto!

    Seu Conto Transborda Sentimento.

    A Tristeza Mata aos Poucos...

    Um Beijo! Jorge X

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