É certo


Subirei um dia, é certo,

e, seja lá como for, não me larguem no cemitério,

mas me vistam de amarelo

Doem minhas tralhas para as associações disso ou daquilo

ou para o primeiro par de pés sem chinelo

Subirei um dia, é certo,

vestirei transparente sem ser indecente,

de pensamento aberto e alma deserta, serei

julgada pela vida de dores e sortes diversas, 

pelas sementes plantadas e pelos frutos indigestos

Subirei um dia, é certo,

e por aqui deixarei alguns rabiscos e uma saudade dispersa

Quero saborear do alto a paz de ver meus dois amores felizes,

e saber que dessa felicidade houve uma porção das minhas chatices;

e, caso não haja tempo para as desculpas, pedirei lá do alto

em tons de ternura, pois que fui apenas um ser humano

com erros e acertos como qualquer criatura

Subirei um dia, é certo,

e não levarei amarguras e nem gestos de bravura

No meu caderno de anotações, quero escrever apenas dois verbos - o que

fui e o que fiz - e tirar 10 com louvor ao conjugá-los ao Senhor 

Espero ter agradecido mais do que pedido e, se assim não for, que 

me dêem o castigo merecido, mas que seja leve para essa alma

já tão arrependida

Subirei um dia, é certo,

e terei assim todas as respostas que sempre indaguei, 

que nenhum livro me deu e explicação não obtive de ninguém

Sentirei outras leis da física, vou planar no ar,

estar aqui e acolá sem enjoar

Sairei dessa teia, desses limites físicos, desses desafios

emocionais e de outros tantos dilemas morais

Subirei um dia, é certo,

e confesso que carrego um receio de como será, mas que 

seja rápido e sem medo quando o dia raiar,

que minha carme não doa e que nem sangre à toa

Subirei, é certo





Silêncios



Há o silêncio surdo, que de tão cansado de escutar absurdos, entra em uma espécie de transe antipoluente auditiva;

Há o silêncio das palavras, alçando vôo para a mente, afogando em pensamentos, pesando o inconsciente;

Há o silêncio solidão, que guarda a palavra do dia, do mês, do ano, à espera de um ouvido bom;

Há o silêncio momento, em que é preciso um tempo, um sopro de vento, um esquecimento dos argumentos para colocar ordem na desordem;

Há o silêncio das perdas onde o próprio silêncio se corrói; 

Há o silêncio do ódio, que maltrata, enferruja, esfarela a alma;

Há o silêncio do trauma, que cala fundo, cola na alma gritando por estratégias de escapatória;

Há o silêncio guardado, que aguarda no cais o momento de zarpar;

Há o silêncio sentido, fininho em filetes de magoas, torrentes em lágrimas;

Há o silêncio inteligente, que se faz conveniente para seguir em frente;

Há o silêncio decepção, onde não há mais nada a fazer para desfazer;

Há o silêncio da desculpa, que só entende quem tem olhos para escutar;

Há o silêncio egoísta, que culpa os inocentes e se esconde covardemente;

Há o silêncio interior, feito de sublimes pensamentos a flutuar sem peso, onde nada busca e tudo é alcançado, eterno descobridor de si mesmo e, por isso, jamais passageiro





Por que me procuras, Senhor?


Por que me procuras, Senhor?

qdo me afasto dos Teus olhos amorosos e caio nas sombras do abandono

qdo em Ti deposito a culpa pelos meus vícios mais primários

Por que me procuras, Senhor?

se pela vaidade sou arrastada aos apelos materiais e por eles consumida sem freio e sem critério

qdo pela aparência sou seduzida enxergando mais corpos do que almas

Por que me procuras, Senhor?

se mal sei discernir a entrega sem cobrança,

a justiça sem vingança, a cólera sem rancor, o amor sem perdão

qdo em minhas palavras e decisões saem os arranhões mais profundos

na pele do meu irmão

Por que me procuras, Senhor?

e não desistes de extender Tuas mãos qdo não as vejo, em sussurrar palavras

qdo não as escuto, em corrigir meus passos qdo tropeço, e, mesmo Te negando,

Tu vens ao meu auxilio e me pegas no colo

Por que me procuras, Senhor?